ORTOFOTO, TRUE E SEMI-TRUE ORTOFOTO

 

Parte de uma Semi-true Ortofotocarta de Curitiba - Imagem infravermelha obtida com sensor linear Leica ADS100 - GSD 4cm
Parte de uma Semi-true Ortofotocarta de Curitiba – Imagem infravermelha obtida com sensor linear Leica ADS100 – GSD 4cm

Um dos meus primeiros textos publicados versava sobre ortofoto digital. Isso aconteceu quando as ortofotocartas deixavam de ser analógicas e passavam a ser digitais aqui no Brasil. Depois de quase 30 anos, volto novamente ao tema para comentar não somente sobre a Ortofoto, mas também sobre True Ortofoto e Semi-true Ortofoto, produtos à disposição dos contratantes de serviços de mapeamento e com grande aceitação por suas inquestionáveis qualidades e versatilidade.

Meu objetivo é tentar explicar de forma simples o que são essas Ortofotos e, sem apresentar a minuciosa descrição ou os complexos algoritmos das distintas e diversas metodologias de geração, seja ela retificação diferencial, Z-Buffer, Angle & Height ou outra qualquer. São apresentados os aspectos gerais e as principais características desses produtos que fazem parte do grande leque de opções de mapeamento existentes.

Esquema gráfico do processo de geração de imagem ortorretificada
Esquema gráfico do processo de geração de imagem ortorretificada

A Ortofoto digital, ortofotocarta ou ortofotomapa, como o próprio nome diz, trata-se de uma fotografia aérea que simula a projeção ortogonal a partir da imagem de projeção central, ou perspectiva. Do ponto de vista técnico, a ortofoto ou ortoimagem é somente a imagem ortorretificada e, ortofotocarta ou ortofotomapa é a imagem enquadrada em folha com legenda e elementos vetoriais superpostos. Essa imagem passa pelo processo fotogramétrico chamado de retificação diferencial, que leva em conta o Modelo Digital do Terreno – MDT, e é um rearranjo dos pixels, cujo resultado é uma imagem rigorosamente em escala, e corrigida das distorções provocadas pelo relevo e dos efeitos dos movimentos do sensor no momento da tomada da fotografia.

Ortoprojetor Zeiss GZ-1 - ESTEIO 1985
Ortoprojetor Zeiss GZ-1 – ESTEIO 1985

Retificação de fotografias aéreas não é assunto novo, as primeiras ideias são atribuídas à Theodor Scheimpflug e datam do final da década de 1890, quando as imagens aéreas eram ainda coletadas por balões. Ortofotocartas vêm sendo utilizadas desde a década de 1960, portanto, desde a era analógica das fotografias. Na época das Ortofotos analógicas empregavam-se sofisticados equipamentos óticos-mecânicos para sua geração. Alguns exemplos são os ortoprojetores Gigas-Zeiss e Orthocomp Z2, equipamentos já utilizados pela ESTEIO e então fabricados pela alemã ZEISS, e também o Avioplan OR1 da Suíça WILD, ambos os fabricantes extintos e incorporados pela gigante sueca Hexagon.

A geração da ortoimagem era dependente de uma reprojeção fotográfica e operações adicionais em laboratório fotográfico como a revelação e fixação de imagem retificada em filme e papel fotográfico nas dimensões do produto final. Nos dias atuais e por conta da evolução constante dos sensores, técnicas e processadores, não somente as Ortofotos, mas também os produtos True Ortofoto e Semi-true Ortofoto são gerados digitalmente, possibilitando a obtenção de produtos de melhor qualidade, menor custo e tempo de execução.

A utilização e aceitação da Ortofoto sempre foi muito grande e teve ainda um maior acolhimento quando passou a ser utilizada como “background”, ou pano de fundo, nas inúmeras aplicações de geoprocessamento. Inicialmente a utilização se dava principalmente em áreas rurais, entretanto, como o uso e aceitação foram gigantescos, passou-se a utilizar também em áreas urbanas.

Imagem aérea com o deslocamento da imagem provocado pela projeção cônica do sistema de lentes da câmara aérea
Imagem aérea com o deslocamento da imagem provocado pela projeção cônica do sistema de lentes da câmara aérea

Ocorre que Ortofotos tradicionais de áreas urbanas muito verticalizadas apresentam um inconveniente para muitos usuários. A projeção cônica, derivada dos sistemas de lentes dos sensores, expõe a deformação perspectiva de maneira que grandes construções, à medida que se afastam do centro da imagem, aparecem inclinadas na direção radial, permitindo a visualização da lateral de edifícios, pontes e viadutos. Além disso, a imagem do alto topo das edificações é deslocada no plano da imagem e, o mais crítico é que esses deslocamentos de imagem podem encobrir, ou ocultar, outras importantes informações, como mostra a figura. Entretanto, embora indesejáveis, e com alguns recursos técnicos para atenuação, esses nunca foram empecilhos para sua utilização, mas sim, considerados como características das Ortofotos de áreas urbanas. Em Ortofotos oriundas de voo de baixa altura, como no caso de voo com drones, é perceptível a mudança de escala entre o topo e a base de edifícios.

Uma True Ortofoto ou “Ortofoto Verdadeira” é uma Ortofoto sem os indesejáveis deslocamentos de imagem provocados pela perspectiva central. Para isso acontecer, há necessidade de procedimentos, rotinas e um gigantesco tempo de processamento.

Um edifício “inclinado” numa imagem aérea gera uma área de oclusão, ou simplesmente oclusão, que precisa ser obtida a partir de outra imagem ou visada. Com isso, há necessidade de se ter também Ortofotos, ou partes de Ortofotos, de imagens adjacentes para compor uma nova imagem, que é um mosaico de diversas Ortofotos e sem apresentar oclusões.

A primeira figura mostra esquematicamente um edifício inclinado na borda da fotografia aérea e, a segunda figura mostra o mesmo edifício com destaque para a oclusão a ser preenchida por um sofisticado e eficiente processo automático, com a utilização de uma, ou mais, partes de ortofotos adjacentes. A necessidade de buscar as oclusões em imagens adjacentes demanda uma cobertura aérea com maior percentual de recobrimentos, não sendo raro o valor de 80% para o recobrimento lateral e, por vezes, até maior que isso para o recobrimento longitudinal entre as fotografias.

Outro fator importante é o ângulo de abertura da câmara utilizada, também conhecido como FoV – Field of View: câmaras com grandes aberturas, como as de pequeno e algumas de médio formato, provocam maiores deslocamentos perspectivos e, portanto, maior complexidade para a geração da True Ortofoto, além de que, áreas muito verticalizadas ou com relevo acentuado podem exigir maior superposição entre as fotografias.

As imagens mostram aspectos da True Ortofoto e da Ortofoto de um mesmo local. A Catedral de Curitiba, na True Ortofoto, aparece como se estivesse localizada no centro da imagem aérea, uma vez que não apresenta oclusões, diferente da Ortofoto, onde se visualiza a fachada inclinada da igreja e também oclusões em diversos pontos.

Nem todas as feições da True Ortofoto são representadas de forma verdadeira, pois árvores, monumentos, postes, veículos e outras de menor tamanho e interesse ainda serão representadas como Ortofoto tradicional. O centro da imagem aérea, obtida com câmara de frame, é o único local da imagem onde ocorre naturalmente a True Ortofoto.

Portanto, uma Tru, ou True Ortofoto não mais se trata de um rearranjo de pixels de uma imagem, mas sim, da mosaicagem, patchwork, ou uma “colcha de retalhos” com a inserção de inúmeras partes de Ortofotos, geradas a partir do MDS – Modelo Digital de Superfície, e não mais a partir do MDT como no caso de Ortofotos tradicionais. Cada oclusão, de cada feição, precisa ser preenchida com partes de imagens adjacentes oriundas de outras visadas.

A geração da True Ortofoto envolve genericamente as seguintes etapas:

  • Após as comuns etapas de Voo, Apoio e Aerotriangulação, gera-se o MDS e as Ortofotos de todas as imagens coletadas na etapa do recobrimento aerofotogramétrico. Nas recentes metodologias somente partes de interesse das imagens adjacentes é que são ortorretificadas;
  • Detecção e cálculo de todas as oclusões dos edifícios e grandes estruturas. Essa é uma etapa dispendiosa em tempo computacional e de fundamental importância para a True Ortofoto de qualidade;
  • Escolha das melhores partes de imagens adjacentes para preenchimento de todas as oclusões e, a junção, ou mosaicagem, de todas essas diversas partes, de ortoimagens, de forma a se obter a True Ortofoto sem oclusões, ou com todas elas preenchidas;
  • Por último, fazer a homogeneização da radiometria dessa True Ortofoto gerada. Ressalta-se que as diversas partes de Ortofotos que contribuíram para esse novo mosaico trazem consigo diferenças de radiometria que precisam ser minimizadas, como é o caso das emendas e sombras, pois tais partes de imagens foram tomadas com visadas e insolação diferentes, em momentos e até dias distintos.

Cada uma dessas etapas requer: imagens com alta qualidade geométrica e radiométrica, grande capacidade de processamento, softwares específicos, grande controle de qualidade, rotinas e algoritmos extremamente sofisticados. Somente com a evolução, nas últimas décadas, dos sensores, técnicas e processadores é que foi possível e economicamente viável realizar tal tarefa. Importante citar que um denso, preciso e detalhado MDS é fundamental para o resultado final satisfatório, e que o surgimento e a evolução das técnicas como Deep Learning, computação gráfica, SGM – Semi Global Matching e sensores LiDAR, também contribuíram significativamente para o estágio atual da True Ortofoto no mercado.

Ao contratar mapeamento por True Ortofoto, deve-se especificar detalhadamente e definir quais são as tolerâncias aceitáveis, pois o custo e a qualidade serão proporcionais ao nível de exigências. Os principais aspectos a serem considerados são: ângulo máximo de abertura da câmara aérea, radiometria mínima e bandas espectrais das imagens, recobrimento lateral e longitudinal mínimo do voo fotogramétrico que permita o imageamento das oclusões, tolerância máxima para as oclusões não preenchidas, densidade e precisão do MDS, limite de efeito serra na borda dos edifícios, precisão das linhas estruturais e dados vetoriais com aquisição fotogramétrica, parâmetros mínimos de mosaicagem e homogeneização radiométrica, além obviamente, de um tamanho compatível de GSD – pixel no terreno. Se qualquer um desses aspectos não for atendido, podem-se ter resultados ruins e não aceitáveis no produto final.

Devido a todo o processo fotogramétrico necessário para a geração da True Ortofoto, ela é, para a maioria dos contratantes, considerada um produto oneroso e só se justifica tecnicamente em regiões densamente urbanizadas e verticalizadas. Por essa razão, quando empregada, muitos municípios optam por contratar a True Ortofoto somente em parte da área da cidade, geralmente a região central, como foi o caso de Varsóvia e Porto Alegre com recobrimentos aerofotogramétricos em 2019 e 2021 respectivamente.

A denominação “Quase” ou Semi-true Ortofoto* surgiu simultaneamente com os sensores aerofotogramétricos de varredura. Devido à forma de aquisição dos sensores lineares, também conhecidos como pushbroom, a imagem nadiral coletada possui menores deformações provocadas pela perspectiva central das lentes quando comparada com as imagens obtidas por câmaras de quadro ou frame. Essa imagem possui o que se chama de perspectiva paralela.

A figura exemplifica esquematicamente os deslocamentos de imagem provocadas pela perspectiva central em função da posição dos edifícios na imagem de frame e na de varredura. Mostra que, numa imagem nadiral obtida por sensor linear, as deformações perspectivas são menores por serem somente transversais à direção do voo e não radial, como no sensor de frame. E ainda que, na linha central da faixa de voo de sensor pushbroom ocorre naturalmente a True Ortofoto, enquanto na imagem de frame só ocorre no ponto central. Portanto, ao se gerar uma Ortofoto a partir da imagem nadiral oriunda de sensor linear, o resultado é uma Semi-true Ortofoto, pois as deformações provocadas pela perspectiva da lente ficam num nível intermediário entre os da Ortofoto tradicional e a True Ortofoto, podendo ainda serem minimizadas com o aumento da superposição lateral do voo.

De uma forma geral, as vantagens da Semi-true Ortofoto são apresentadas a seguir, entretanto, com a evolução tecnológica, algumas delas podem ser alteradas:

  • Custo equivalente ao da Ortofoto tradicional;
  • Menores deslocamentos perspectivos e menor quantidade de elementos ocluídos quando comparados a uma Ortofoto tradicional;
  • Menor prazo de entrega, pois pode ser executada imediatamente após as etapas de Aerotriangulação e MDT, não sendo necessário aguardar a modelagem das edificações para o MDS, fase que ocorre geralmente com a Restituição e Edição, como acontece na True Ortofoto;
  • Sem duplicidade e ou desaparecimento das feições em movimento, característica da True Ortofoto;
  • Homogênea e confortável visualização, pois todas as feições passam pelo mesmo e único tratamento geométrico, o que não acontece na True Ortofoto, na qual vegetação e vários outros objetos são visualizados como Ortofoto tradicional;
  • A Semi-true Ortofoto é gerada, quase sempre, a partir de somente uma imagem, portanto, isenta dos problemas da “colcha de retalhos”, linha de emendas, sombras cruzadas e das diferenças de radiometria das oclusões;
  • Inexistência dos efeitos dente de serra no topo das edificações;
  • Por ser originária de sensor de grande formato, a Semi-true Ortofoto, quando comparada à True Ortofoto oriunda de câmaras de médio e pequeno formato, possui também diversas outras vantagens como melhor radiometria, bandas espectrais distintas, menores distorções, compensação de arrastamento da imagem, uso de plataformas estabilizadoras e etc…

Os três tipos de ortofotos possuem vantagens, desvantagens, grande versatilidade e potencial de utilização. Uma análise técnica e financeira em conjunto com os demais produtos a serem contratados pode justificar melhor uma ou outra opção. A figura a seguir mostra os aspectos visuais da Ortofoto, True Ortofoto e da Semi-true Ortofoto de um mesmo local. Observe que a True Ortofoto não possui deslocamento de imagem, que a Ortofoto possui de forma radial e que na Semi-true Ortofoto o deslocamento é menor e somente na direção transversal ao voo.

Ortofotos e Semi-true Ortofotos já figuram no mercado brasileiro por muito tempo. As cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Rio Branco, Contagem, Joinville, Juiz de Fora, São José dos Pinhais, entre muitas outras, utilizam a Semi-true Ortofoto. Por ser um produto ainda oneroso para alguns potenciais clientes, pode ser que a True Ortofoto não conquiste tantos adeptos no Brasil como suas irmãs menos dispendiosas.

A franca ascensão e aceitação da modelagem tridimensional, a partir do imageamento oblíquo, pode também ofuscar uma maior utilização da True Ortofoto no Brasil, principalmente porque algumas cidades podem preferir fazer o investimento nessa opção, certamente com maior potencial de utilização cadastral e aplicações de realidade virtual, em vez de investirem em True Ortofoto. Além disso, a modelagem tridimensional pode ter como subproduto, a um baixo investimento adicional, a própria True Ortofoto. A cidade de Curitiba optou, recentemente, pela modelagem 3D e Semi-true Ortofoto em seu último mapeamento.

*Com o surgimento dos sensores aerofotogramétricos de varredura, fabricantes e usuários passaram a utilizar a denominação “Quase” ou Semi-true Ortofotos para as Ortofotos oriundas das imagens nadirais desses sensores, foi o caso da Leica Geosystems e SwissTopo – Office Fédéral de Topographie. Em 2005, Peter Fricker utilizou também a expressão “Ortofoto de imagem quase-ortogonal” na publicação “The Benefits of an Airborne Digital Sensor” da ASPRS – American Society for Photogrammetry and Remote Sensing.

**Este artigo recebeu contribuições de Amauri A. Brandalize, Antonio M. G. Tommaselli, Mauricio Galo e Leonardo Ercolin Fo.

Valther Xavier Aguiar é engenheiro cartógrafo, diretor técnico da ESTEIO Engenharia e Aerolevantamentos S.A. e presidente da ANEA – Associação Nacional de Empresas de Aerolevantamento.
valther@esteio.com.br, www.esteio.com.br, março/22